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Hippies, psicodélicos e ocultismo: como os anos 60 influenciaram a criação do Doutor Estranho?
Super-herói é um verdadeiro símbolo da juventude do período, marcado por diversas mudanças sociais
Com seu segundo filme solo estreando nas telonas nesta quinta-feira (5), o Doutor Estranho se consolida como um dos mais importantes personagens do Universo Cinematográfico da Marvel.
O super-herói carrega o legado de outras figuras marcantes do gênero, como o Homem de Ferro, Viúva Negra, Capitão América e tantos mais. Porém, mesmo que hoje seja considerado "a âncora do MCU" - nas palavras de Kevin Feige, presidente da Marvel Studios -, o alter ego de Stephen Strange nem sempre teve a importância que ostenta na atualidade.
O personagem e as histórias em quadrinhos as quais protagonizava, desenvolvidos por Steve Ditko e Stan Lee, foram originalmente criados para atingir um público bastante específico: a juventude estadunidense dos anos 60, alinhada a diversas novidades que surgiram neste período.
Uma série de mudanças sociais marcaram a década, e cada uma delas ajudou na construção do personagem e da estética aplicada às suas HQs. Saiba mais sobre o contexto histórico que influenciou a origem do Doutor Estranho, o grande feiticeiro da Marvel Comics:
O MOVIMENTO HIPPIE

Ditko e Lee, grandes mestres dos quadrinhos, trouxeram o personagem ao mundo no ano de 1963.
Criado nos Estados Unidos e, consequentemente, produto da indústria cultural do país, Stephen Strange estreou como fruto de uma sociedade em transição. A chamada "Nova Era", a conscientização diante da participação dos EUA na Guerra do Vietnã e críticas ao consumismo desenfreado basearam o movimento hippie, que surgiu em paralelo à criação do super-herói.
Popular entre os estudantes - majoritariamente brancos - de universidades norte-americanas, a contracultura sessentista representou parte de uma geração. "Faça amor, não faça guerra", um dos lemas do movimento, resume bem a ideologia pregada por seus membros: eles acreditavam que conflitos armados e competições capitalistas deveriam ser abolidas, dando lugar ao sentimento mais nobre e capaz de reconstruir sociedades por completo.
Os hippies, filhos da classe média, também pregavam a liberdade acima de tudo - estudos de filosofia cresceram exponencialmente no período, e o livre arbítrio era valorizado pela juventude alinhada a tais pensamentos. Assim, era muito mais fácil que um jovem estudante universitário se identificasse com um personagem "real", apto a expor seus defeitos mais vergonhosos, do que com um herói praticamente impassível, como o Superman.

E foi nesse contexto que a Marvel, com um Homem-Aranha adolescente e irresponsável, começou a ganhar espaço diante da DC Comics. Quando o Doutor Estranho surgiu, no auge de seus privilégios e arrogância, acompanhamos um herói "quebrado". O neurocirurgião, que atende apenas os pacientes capazes de pagar (caro) por seus serviços, se vê incapaz de exercer sua profissão após um acidente.
Desesperado, ele parte rumo a uma jornada espiritual, que o transforma em um homem consciente e dono de intenções mais nobres. E, por mais que seus gurus orientais tenham sido representados de forma originalmente estereotipada - característica que a Marvel Studios começou a desconstruir nos últimos -, exerceram enorme fascínio nos leitores das HQs. No fim das contas, a trajetória de Strange em muito se assemelha à dos jovens hippies: a necessidade de se afastar de uma vida materialista, pregada pela geração anterior, e apegar-se a um propósito verdadeiramente emocional e profundo.
Mike Benton, autor do livro Superhero Comics of the Silver Age: The Illustrated History, resume bem os leitores dos primeiros quadrinhos do herói: "As histórias do Doutor, aberto a experiências psicodélicas e ao misticismo oriental; leia as histórias do Doutor Estranho de Ditko e Lee com a crença de um recém-convertido Hare Krishna. O significado estava em toda parte, e os leitores analisaram as histórias sob essa ótica", explica o pesquisador.
PSICODELIA: AS CORES DO DOUTOR ESTRANHO

O típico pensamento patriota norte-americano, que confiava nas instituições governamentais e tinha como alicerce a religião e família tradicionais, se viu abalado pela geração dos anos 60.
Ao contrário de seus pais e avós, as relações raciais, questões de gênero e sexualidade e pautas ambientalistas eram discutidas e encaradas de forma totalmente diferente pelos jovens da época. "Abra a sua mente", pregavam os representantes desse novo mundo, e muitos deles acreditavam que a expansão do pensamento poderia ser alcançada através do uso de drogas.
O LSD, cujo mito indica ser referenciado na canção Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, foi um dos entorpecentes mais populares da época. Seu efeito alucinógeno, segundo usuários e cientistas, proporcionava "viagens" coloridas, e alguns psicólogos da época chegaram a defender a eficácia terapêutica da substância.
Contraculturas sessentistas adotaram o uso do alucinógeno como prática, e a tendência também ditou parte da narrativa de Strange e de sua estética nas HQs. Steve Ditko, ilustrador da primeira fase do Doutor Estranho nos quadrinhos, abusou de cores vibrantes, curvas acentuadas e traços de psicodelia - algo que, certamente, seria visto sob o efeito de LSD.
Muito além da estética, é provável que Lee e Ditko tenham analisado as transformações sociais pungentes e concluído: esse é como caminho para que esses jovens, filhos de uma geração ultraconservadora, possam comprar a premissa das histórias do Doutor Estranho, com toda a sua magia e viagens astrais.
O próprio Sanctum Sanctorum, base do super-herói em Nova Iorque, teve sua criação alinhada a pensamentos mais progressistas. Localizado no Greenwich Village, em Nova Iorque, a construção carregava os mesmos simbolismos do bairro em questão. Sua atmosfera cosmopolita e "amigável" a hippies, roqueiros e principalmente a membros da comunidade LGBT+ demonstrava que, no universo do Doutor Estranho, todos eram bem-vindos.
O TRIUNFO DO OCULTISMO

A juventude da década de 1960 foi, sem dúvida, fascinada por religiões que fugiam da hegemonia norte-americana. Assim, a geração flertou com o esoterismo e com uma série de doutrinas originárias do oriente, como o budismo e o movimento Hare Krishna.
Em paralelo, culturas neopagãs como a Wicca, e a Igreja de Satã, fundada em 1966, ganhavam espaço nos Estados Unidos. E, como toda tendência que representou o jovem sessentista, suas crenças também influenciaram a criação do Doutor Estranho.
Contudo, ao contrário de muitas representações ficcionais do período, Stephen Strange não surgiu como uma paródia dessas novas formas de fé; tampouco podia ser comparado aos vilões tradicionais, que tinham suas ruínas associadas ao desvio da "bondade", apenas por abandonarem a lógica judaico-cristã.
O Doutor Estranho representou o triunfo do ocultismo, uma vez que, a partir do momento que ele reconhece seu "eu" interior durante uma jornada espiritual pouco usual, se tornou uma pessoa altruísta e evoluída. Essa busca interior era a mesma que os fãs do personagem, que sonhavam com uma sociedade mais justa e igualitária, partilhavam entre si. No universo de Stephen Strange, o misticismo, antes limitante e negativo, foi substituído por uma crença disruptiva: no mundo, há muito mais do que os nossos olhos são capazes de enxergar. Não por acaso, o feiticeiro é portador do Olho de Agamotto, artefato que lhe concede habilidades mágicas - uma metáfora para a expansão da mente humana.
A proximidade do Doutor Estranho com o mundo em que vivemos o torna um personagem ainda mais intrigante. Muitas histórias fantásticas foram contadas em terras longínquas, planetas fictícios ou futuros distantes - O Senhor dos Anéis, Duna, Star Wars e tantas outras. Porém, Stephen Strange morava em Nova Iorque, vivia no tempo presente e vestia roupas da moda: como não se identificar com ele?
Em 2022, mesmo que o misticismo não esteja tão "em alta" entre os jovens, precisamos entender que o Doutor Estranho é um perfeito reflexo de seu tempo. E, enquanto a Marvel conseguir misturar as antigas tendências com o progressismo da atualidade, o personagem seguirá encantando novas gerações nos cinemas, nos quadrinhos, e onde mais ele se propuser a brilhar.
No primeiro trailer de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, sequência solo do personagem, o mago encontra Wanda Maximoff, e o diálogo da dupla deixa explícito que o momento acontece após os eventos de WandaVision e a confusão causada pela Feiticeira Escarlate em Westview. Além de estar presente no título, o Multiverso e seus desdobramentos são explorados nas cenas: vilões que apareceram na série animada What If…?, como a versão sombria de Strange, prometem abalar a trama da continuação.
Doutor Estranho 2 é estrelado por Benedict Cumberbatch, que retorna ao papel do personagem-título. Dirigido por Sam Raimi, o elenco ainda é formado por Elizabeth Olsen, Benedict Wong, Rachel McAdams, Chiwetel Ejiofor e Xochitl Gomez.
No Brasil, o filme estreia nesta quinta-feira, 5 de maio, exclusivamente nos cinemas - garanta já o seu ingresso através do nosso site ou app.
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